Homilia de Dom José Carlos para a Missa do Crisma 2022

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Catedral do Divino Espírito Santo / 14 de abril de 2022

Amado Povo de Deus, reunido aqui nas suas múltiplas expressões e na variedade de seus membros, bispo(s), presbíteros, diáconos, religiosas e religiosos, seminaristas, vocacionados, ministros leigos e leigas, fieis leigos e leigas. Esta é a missa da unidade e da comunhão. Não estamos esfacelados; contudo, temos muito ainda a progredir. Estamos no caminho, avançando pouco a pouco. A liturgia desta manhã, na quinta-feira santa, que nos lançará ao final deste dia no santo tríduo pascal, reúne-nos para expressar nossa colegialidade missionária, para renovar nosso compromisso vocacional e sacerdotal com o Senhor, para abençoar e consagrar os santos óleos, para inaugurar, rezando, uma nova etapa da nossa pastoral presbiteral diocesana.

A pandemia, que nos toca agora em medida mais amenizada, graças à vacinação a que muitos aderiram com a devida seriedade e senso de compromisso social, reconhecendo os válidos esforços da ciência, [a pandemia] não nos impediu de celebrar esta liturgia nos últimos dois anos, mesmo que em datas diferentes desta de hoje. Não perdemos aqui, pela pandemia, nenhum sacerdote, mas perdemos muitas pessoas queridas, muitos membros da Igreja, e os trazemos presentes nesta Eucaristia. Estamos vivos no mundo, mas não escondemos que este tempo de pandemia nos trouxe grandes dores, nos cansou, nos estressou, nos roubou a paz, a saúde e a sanidade, nos fez esmorecer, nos desorganizou, nos desarticulou. Mas não nos roubou de modo irrecuperável, e não roubará, nossa fé, nossa vontade de continuar nos nossos postos de missão, nosso amor pela Igreja. É hora de voltar, de retomar, de recomeçar. Não como antes, no ritmo de antes, nos esquemas de antes. É preciso perguntar-nos o que a pandemia nos ensinou, nos fez ver, nos fez ler, nos fez avaliar do modo como íamos e nos empenhávamos antes dela. Entre o modo antigo e o modo novo há uma pandemia. Ela não foi de brincadeira nem uma ficção. Ela nos obrigou a repensar nossos valores, nossas relações, nossas estratégias de trabalho, nosso olhar sobre nós mesmos. Não somos os mesmos! Não podemos ser os mesmos! Não podemos avançar sem questionar muitas das nossas posturas, métodos e horizontes.

Agora é tempo de, pouco a pouco, com criatividade, paciência e firmeza, ir retomando nossos grupos, nossos trabalhos pastorais, nossa pertença eclesial real e presencial, nossos encontros e atividades específicas. Haverá muitos ritmos nesta volta. Não será para todos na mesma velocidade. Mas o câmbio da vida tem muitas marchas e não podemos segurar a primeira marcha por muito tempo. Pode danificar o movimento da vida, da missão e da fé. Vamos adiante, cada um na sua marcha, mas querendo avançar, percorrer nossos caminhos e horizontes. Temos o que fazer, o que anunciar, o que testemunhar, o que cuidar.

Desejo que a tônica do cuidado seja marcante no tempo presente e futuro de nossa caminhada. Cuidar é também temperar bem a ação e o repouso, o fazer e o descansar, o dia e a noite, a missão e o recolhimento, a semana e o domingo. Não somos só o que fazemos dentro das estruturas da Igreja e dos demais ambientes todos os dias. Somos (e aqui penso em todos, não só no clero ou nos agentes de pastoral) mais que sujeitos e realizadores de muitas funções e tarefas. Precisamos trabalhar sim, cada um no seu ofício, seu ministério, sua profissão, mas precisamos também de descanso, de relações sadias, de leituras, de espiritualidade, de cuidados, de “recreios”…

Posso dizer, sem medo de errar ou de parecer pessimista, mas realista, que ser bispo cansa, ser padre cansa, ser cristão cansa, ser ou estar vivo cansa… E alguns parecem mais cansados que outros, mas é assim mesmo. A marcha e o ritmo da vida são diferentes para cada um. O problema não é este. O problema é a falta de cuidado com a vida; a exaustão do corpo ou do motor; a vida em eternas semanas sem domingos (ou segundas para nós, os clérigos!); a escravidão e o fardo pesado da lida sem intervalos. É preciso aprender a lição do cuidado, do descanso e do estar só.

Dois textos exclusivos de dois evangelistas me vêm à mente agora. Um de Mateus e outro de Marcos, sem paralelos em outros lugares. Aparecem tão somente uma vez em cada um dos dois evangelistas, mas traduzem o zelo e a preocupação de Jesus com o ritmo da missão dos apóstolos e a necessidade de descanso e de cuidado. Cuidado que pode ser lido em três direções.

Vamos aos dois textos evangélicos:

“Vinde a mim todos os que estais cansados sob o peso do vosso fardo e eu vos darei descanso. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para vossas almas, pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve” (Mt 11,28-30). Este texto é só de Mateus. Está após o discurso acerca da incredulidade de Corazim, Betsaida e Cafarnaum, onde Jesus realizara a maior parte de seus milagres, e depois também das palavras de Jesus sobre a abertura e o conhecimento dos pequeninos em relação aos mistérios, “às coisas” do Pai. Muita tarefa da parte de Jesus e pouca conversão, muitos milagres e pouca fé. Fadigas sem frutos por um lado; e um grupo de pequeninos que recebem e guardam os segredos do Pai e do Reino, por outro.

O outro texto é só de Marcos: “Os apóstolos reuniram-se com Jesus e contaram-lhe tudo o que tinham feito e ensinado. E Jesus lhes disse: ‘Vinde vós, sozinhos, a um lugar deserto e descansai um pouco’” (Mc 6,30-31). Este texto está após o envio missionário dos Doze, que, retornando, cansados e com alegria, contam a Jesus os frutos da missão.

 A esses dois textos dos evangelhos, quero associar também um terceiro, de Lucas, nos Atos dos Apóstolos, que é bastante inspirador e servirá de lema à nossa pastoral presbiteral diocesana: “Cuidai de vós mesmos e de todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos estabeleceu como guardiães, para apascentardes a Igreja de Deus” (At 20,28). São palavras da despedida de Paulo, seu testamento espiritual, aos presbíteros da Igreja de Éfeso, que foram chamados a Mileto, onde o Apóstolo se encontrava. Um texto valioso que faz ver as fadigas, os enfrentamentos, as alegrias, o apostolado, os afetos de Paulo.

Pois bem, os três textos abrem perspectivas para falar de descanso, de parada, de cuidado. Contudo, aprendemos a usufruir disso a partir de Jesus: vinde a mim, aprendei de mim, vinde comigo… Sintetizando as três palavras (descanso, parada e cuidado) na última (cuidado), permitam-me penetrar o coração manso e humilde de Jesus para delinearmos três direções deste cuidado, três modos de exercita-lo: o cuidado consigo mesmo, o cuidado com a missão e o cuidado com a relação com o Pai.

Há uma fadiga lá, cá e sempre. Não há missão se não houver investimento de energias. O trabalho é imenso e interminável. Há muito o que fazer, sobretudo após uma pandemia. Há muitas frentes de missão e de presença. Há muitos lugares de radical ausência nossa. E estamos todos os dias na lida. Deitamos e dormimos com o fardo de nossos dias nas costas. É necessário, contudo, um autocuidado. É preciso dar leveza e suavidade ao peso fustigante da lida pastoral. É preciso cuidar do missionário, do enviado, do apóstolo, do diácono, do padre, da religiosa, do religioso, do agente de pastoral. É preciso algum momento longe da multidão, no deserto só com Jesus ou com poucos. Somos de carne. Carecemos de descanso, de domingos ou segundas. Deus descansou no sétimo dia. Não podemos ser escravos massacrados pela missão. Sem descanso, sem respiro, sem paradas, a missão é só fardo e jugo. O cuidado de si, caros sacerdotes, diáconos, irmãos e irmãs, exige atenção com a saúde do corpo, da alma, da mente, do coração, da vocação… Sem descuidos ou martírios desnecessários!

Há também um cuidado com a missão e com aqueles a quem somos enviados. Não há lugar para descanso e parada se não há serviço, missão, idas missionárias. Jesus faz muitos milagres, colhe pouco, agradece pelos pequenos que acolhem seu mistério. Antes do seu “vinde a mim” está o “ide” do Pai sobre ele e o “ide” dele sobre nós. Não podemos esmorecer pelos poucos frutos, poucas adesões e conversões, pelas resistências e pelos opositores nossos (Paulo fala muito disso na sua despedida em Mileto). Não merece o cuidado do descanso quem negligencia a missão. Temos nosso descanso semanal e devemos usa-lo bem. Trabalhamos seis dias e descansamos um, como todos os que trabalham. Esta medida também é para nós. Nosso ciclo missionário supõe fadigas e repousos. Contudo, não dá para descuidar do rebanho que nos foi confiado, do qual somos guardiães e pastores. O Espírito nos ungiu para isso. Somos portadores e continuadores da unção libertadora de Jesus. Cumpre-se e atualiza-se no nosso “hoje”, a partir de nós, os ministros de Deus deste tempo, o trecho que Jesus lê e interpreta sobre si na sinagoga. Nós somos Ele. Ele age através de nós. “Hoje” se cumpre e se renova em nós para o bem da Igreja e do mundo a passagem da Escritura de Isaías, que Jesus toma para si em Nazaré. A unção recebida na nossa ordenação nos torna missionários portadores do poder messiânico, curador e evangelizador do Cristo, o ungido por excelência, que deu seu nome ao santo crisma que consagramos hoje. Não podemos negligenciar esta unção recebida. Para isso, Cristo, pelo seu sangue, nos liberta e cura de nossos pecados e nos faz sacerdotes de seu Deus e Pai, como ouvimos no trecho do Apocalipse de João. Assim, participando da consagração do Filho único, feito Cristo e Senhor, somos no mundo testemunhas e ministros da redenção (oração inicial); o homem velho é destruído em nós, e renovamos e recomeçamos nossa vida no mistério de Cristo (oração sobre as oferendas); e, renovados, podemos espalhar por toda parte o bom odor de Cristo (oração pós-comunhão). Eis nossa inadiável e bendita missão!

Há ainda um terceiro cuidado, e julgo o mais importante deles, o cuidado com a relação com o Pai. Na escola de Jesus, nosso Mestre e Guia, e no caminho discipular, aprendemos que nosso vínculo e nossa intimidade com o Pai são ingredientes de especial valor e importância na lida pastoral e missionária e no cuidado de nós mesmos. É a partir do Pai, por chamamento dele, na Igreja dele, por causa dos que pertencem a ele, para sermos úteis a ele, para sermos dele, é por causa dele que somos o que somos e fazemos o que fazemos. Somos presbíteros dele, ungidos por ele. Seu Espírito está sobre nós! Somos um reino de sacerdotes para ele e a serviço dele. Não podemos descuidar dos nossos vínculos vitais com ele. Ir a um lugar deserto não é só para fugir da multidão, mas é, como fora para Jesus, para estar com o Pai, a sós com ele. Só ele! Só nós! Só eu mesmo! Irmãos queridos, de todos os ofícios e ministérios, ordenados e leigos, não nos esqueçamos disso. Esquecer o Pai, não gastar tempo com ele, não viver de sua intimidade é progredir num quadro existencial e missionário de desistências, fragilidades, adoecimentos. Esta relação fecunda e permanente com o Pai, este cuidado afetivo, espiritual, filial com o Pai é nossa segurança e nossa saúde, e deve ser nossa primeira e primária preocupação e necessidade. A via da espiritualidade é nosso principal remédio, nossa base, nosso eixo fundamental. O Pai deve ser nossa referência existencial permanente.

Termino com um ensinamento de São Basílio Magno, que resume bem nosso itinerário vocacional e missionário: “Para atingir a perfeição é necessário imitar a Cristo, não só nos exemplos de mansidão, humildade e paciência que ele nos deu durante a sua vida, mas também imitá-lo em sua morte”. Cristo é nossa medida, nosso modelo, nossa meta! Por ele, para ele e nele damos sentido e beleza à nossa vida e à nossa morte, e antes desta a todas as nossas fadigas, desgastes e sofrimentos. Em Cristo, saberemos viver e morrer na direção certa, pelo motivo certo, para a verdadeira plenitude de vida. Tudo pode e deve ser endereçado a Cristo, à sua paixão, morte e ressurreição. Eis o mistério que estamos para celebrar a partir de hoje à noite.

A cada sacerdote, de coração e pedindo perdão pelas minhas faltas, agradeço pelo sim fecundo de mais um ano trilhado numa experiência de Igreja que busca ser sinodal, fraterna e familiar.

Dom José Carlos Campos, Bispo de Divinópolis-MG

Fonte: https://diocesedivinopolis.org.br/conteudo/homilia-de-dom-jose-carlos-para-a-missa-do-crisma-2022/

 


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